sábado, 19 de dezembro de 2015

Outras Graças - Graça Nascimento (Trecho)



Outras Graças
Graça Nascimento
  



(ORELHA DO LIVRO)

Eu já estava na expectativa de receber os originais deste livro.
Graça havia dito que gostaria que eu tomasse conhecimento do mesmo. Acredito ser questão de confiança e estima, uma vez que não seria eu (apenas um leitor) a pessoa indicada pra fazer uma análise de Outras Graças. Termina sendo um compromisso mesmo que não queira.
O fato é que essas palavras vão acompanhar o livro e eu embarco neste caminhão de poemas e phallós febricitante. A minha opinião neste livro faz parte de outras Solicitadas por Graça pelos seus amigos para compô-lo.
Ainda aquecido com a leitura de Outras Graças, onde encontrei uma Graça mais amarga, mais frágil, mais defesa, mas sempre no alcance da imunização de forma característica e combativa. Corajosa Graça escreve como age. Isso pelo menos lhe tira do encargo de pôr várias máscaras todas as manhãs para enfrentar os dias.
Esse livro é uma “Assembleia Geral” dos EUS que se multiplicam e que formam a Graça como um todo. “Elas” andam juntas, de braços com Reich e acenando para Freud.

Confesso que apesar da relação poesia-prosa contida neste livro, eu sou mais a Graça Prosa. A justificativa talvez esteja dentro da minha expectativa com relação ao seu primeiro livro, que poderia muito bem chamar-se de NEM TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA.
OUTRAS GRAÇAS tem na realidade algumas “chaves” mas tem uma que o título é de rara felicidade, um presente iluminado enviado pelos astros com toda energia cósmica. Trata-se de MÃES ASSASSINAS DO SOL. O texto quase não paga o título se não fora a Graça menina, pura, descobrindo o sexo sob os olhares dos pecadores.
Antes os atos simples, instintivos, plenamente naturais da inocente Gracinha tivessem sido andando sobre as águas salgadas dos oceanos. Mas esse poder, esse privilégio, essa outra Graça divina só pertence a Iemanjá, que poderia muito bem levar a Graça Nascimento até bem perto do Sol, para que ela pudesse consumar o seu intento.

Ésio Rafael


 
 
 
Outras Graças
Graça Nascimento



   
 

            Nos anos 90, esse livro, exceto algumas partes que surgiram depois, foi submetido ao conselho editorial da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), por cuja editora deveria ser lançado. Infelizmente ocorreu a morte prematura do amigo Alberto Antunes que ocupava então o cargo de vice-reitor daquela instituição e que era a pessoa que incentivava, encaminhava e pretendia realizar um lançamento por aquelas vias.
Não me interessei em prosseguir com o projeto... sempre achei que minha obra combinava mais com a “produção independente”.
Hoje, quando considero que é tempo de “Outras Graças” nascerem, lanço-me independente, livre e Solta.
Confesso que enterneceu-me como “escritora” e poetisa o parecer daquele Conselho, nas palavras do então conselheiro, Francisco Antônio de Andrade Filho. Pessoa que nunca vi, mas que tocou-me profundamente e inspirou-me grande admiração pela inteligência e visão ampla sobre a vida que demonstrou no seu escrito.
Por isso suas palavras compõe e abrem esse livro...





  ***






UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
EDITORA DA UFAL/CONSELHO EDITORIAL

NASCIMENTO, Graça. OUTRAS GRAÇAS

PARECER DO CONSELHEIRO FRANCISCO ANTÔNIO DE ANDRADE FILHO.

Este livro “Outras Graças”, em prosa e versos, de Graça Nascimento, esclarece suficientemente porque é que existe uma razão moderna para se romper com a dominação de se pensar por outrem, ser naturalmente livre e, numa irrupção no novo e no tempo, criar a possibilidade da liberdade humana. A autora escreve em prosa e versos modernos. Produz Outras graças, questionando a razão e os saberes estabelecidos pelas ciências. Não teme a liberdade natural, degenerada, corrompida e diluída pela sociedade política, econômica e religiosa.
É ainda tempo de modernidade. De construir uma escrita nova, pois “Não quero escrever coisas medíocres”, defende-se Graça Nascimento. Ela deseja edificar uma nova postura de mundo, escrever com o corpo e alma, celebrar uma festa psicossomática, expressar-se livremente.
É na força moderna da escritora, de não renunciar a liberdade, de não destituir-se dessa qualidade natural do homem e mulher. Romântico e ricamente expressas numa relação contra a moral moderna -, moral essa de contradição civilizada e hipócrita - , renascem assim as letras de Graça. E as critica com a caneta do principio moderno de sua liberdade. Escreve: “Suas formas de ser livre me soam como receitas de mesinhas das avós, que acalentam mas não curam, aparentam mas não são (...) quero a liberdade e quero chorar lágrimas ácidas sobre algemas que me aprisionam, até senti-las dissolvidas diante de meus olhos lacrimejantes de êxtase livre”.
São lágrimas de felicidade do novo ao quebrar a cansativa estrutura do velho mundo. É a consciência da liberdade de pensamento, de sua capacidade de conhecer e transformar a natureza e a sociedade. De a mulher mudar suas condições de vida e situar-se de modo diferente e, por isso, na harmonia com o outro, constituir novas relações sociais.
Ainda neste enfoque filosófico, a autora faz um chamado a natureza, fonte de sua contribuição original e numa forma literária para os nossos tempos. Ela parece pensar a liberdade natural diluída e degenerada pelo sistema de normas, regras, leis e valores definidos explicitamente pelos poderes políticos, econômicos e eclesiásticos, perversidades essas da atual sociedade humana.
Interprete da natureza, Graça Nascimento, nesta obra, faz e entende tanto quanto constata pelo trabalho da mente gravado no livro. É assim que num estilo atraente, em prosa e versos, trava uma relação com a natureza, com o Sol, a Terra, corpo, inteligência, com todo o universo à luz da sua razão. É a escrita pensando como o filósofo Platão pensou em seus Diálogos. O filósofo grego via com os olhos da razão a totalidade do real ou do Cosmos como a Graça vê em “Mães assassinas do Sol”, como ela mesma afirma, “num fitar de olhos e viajava em mim mesma e no Sol...”. Ela deixa a Filosofia falar e escrever como René Descartes em seus Princípios de Filosofia (1644), “donde se pode deduzir as razões de tudo o que se é capaz de saber”, deste “olho pelo qual a nossa contemplação (...), de tal excelência que todo aquele que se resignasse à sua perda privar-se-ia de todas as obras da natureza, cuja vista faz a alma feliz na prisão do corpo, graças aos olhos que lhe representam a infinita variedade da criação”.
A autora de Outras Graças faz também um elogio à natureza e canta um verdadeiro hino de louvor aos olhos, quando afirma:
Quis olhar o Sol para só assim emocionar-me. O comum, o concreto, o palpável, o desejo, a paixão... Busquei olhos no Sol... É a emoção de um olhar sem olhos que me falta para que eu seja feliz. Para que eu seja realmente humana e goze na vida o paraíso da plenitude”.
É dessa sensação visual da realidade, tal qual a Graça e, cada ser humano experimenta individualmente, para “guiar-se por si próprio” e “gozar da beleza das cores e da luz”, é dessa imagem ótica do espírito e do corpo, que se domina, dirige, critica a cidade, apreende o real. Vive livre na comunicação falada e escrita; limitando-se a leitura do Livro do Mundo e do estudo de si próprio para conhecer o outro. É nessa atitude que a autora grita. Insiste. Fala e escreve no “Eu e a justiça” sobre a mulher cega em cima de um prédio enorme, em posição ereta e fria, que reina naquele Castelo. Aqui, a escritora presta homenagem à Palavra, à Filosofia. Desta vez, reporta a Denis Diderot que, em 1749 escreve a “Carta sobre os cegos para o uso dos que veem”.
O filósofo iluminista reproduz nesta carta a Dióptrica de Descartes cheia de “figuras de homens ocupados em ver com bengalas”.
Pois bem, hoje, nesta obra, a Graça vê a justiça cega. Cega, vê. É a justiça cega, com olhos abertos, mas não enxerga. Tem olhos para ver os palácios da Alvorada, dos Ministérios, do Congresso Nacional, do Senado, da Catedral. Justiça cega não conhece o mundo. Não pensa. Não filosofa.
Não conhece sentimentos, nem cegos, nem mendigos. (Des)conhece artistas, escritores e filósofos. Garante apenas o próprio poder, seus papeis, suas leis, seus mandatos. A mulher cega censura os filósofos. Destrói o ethos do Estado. Bloqueia o livro dos pensadores, financia a publicação dos discursos dos políticos e os sermões dos Bispos e do Papa. Mas coloca as obras dos escritores e dos poetas no “Index proibitorum”. Filósofos e escritores e poetas veem a justiça cega. Veem cegos. Cegos, veem.
É pois neste quadro filosófico, nesses e noutros aspectos de Outras Graças, que a autora se coloca. Salvo melhor juízo dos nobres companheiros deste Conselho Editorial da UFAL, Graça Nascimento destaca-se bastante entre os pensadores de nossos dias, marcando ao mesmo tempo, de maneira precisa, o sentimento mesmo de sua atividade de escritora. Aqui o leitor encontrará não apenas versos e prosas, mas o conceito de Filosofia se constituindo como forma literária tecendo-se em modernas reflexões de valorização de sua capacidade racional para apreender a realidade objetiva em todas as dimensões, em sua totalidade.
Por isso, pela importância filosófica de seu trabalho, de estilo simples e de rico conteúdo, recomendo com louvor a publicação desta obra. Nela, o público irá aplaudir a liberdade de pensar a sociedade de hoje e a paixão de escrever bem, se preocupar com o problema da liberdade humana. Nela, o leitor sentir-se-á feliz na descoberta de sua capacidade de se servir do entendimento sem orientação de outrem, de usar de sua inteligência para tornar realidade a utopia de sua emancipação e de toda Humanidade.

Maceió, 24 de Maio de 1995
Francisco Antônio de Andrade Filho
(membro do Conselho Editorial)








Comentário da autora

            Mais uma vez ouso chegar até as pessoas através de um livro. Treze anos depois da Nudez da poesia, sinto-me outra vez suficientemente corajosa, para enfrentar nua um mundo onde todos se escondem com roupas, máscaras ou mais.
Já faz tempo que o conteúdo deste livro está sendo preparado. Todos os dias eu crio, mesmo quando não transcrevo para o papel, os livros se sucedem na minha cabeça e esperam apenas o momento de serem expelidos para a apreciação de um mundo externo, no qual o primeiro e surpreendido leitor sou eu mesma.
Esse livro começou a nascer no dia seguinte à emancipação do outro; sim, porque no tempo de gestação dos meus livros, pertencem apenas a mim todas as emoções, que depois se concretizam através das letras e só no momento em que entrego-as ao mundo é que sinto-as Soltas de mim mesma, livres da minha própria escravidão.
Vocês, meus leitores, recebem escravos recém-alforriados, tratem-nos como seres realmente livres; não vão escravizar com suas doenças aquilo que com muita luta consegui livrar da minha. Sejamos complacentes e um pouco mais humanos.
Continuo tentando desnudar-me, quer em versos ou em prosa e graças, a graça que recebi de graça, cada dia sinto-me mais nua e próxima do orgasmo que tanto busco e que preciso dividir com a humanidade para que cumpra-se em mim a vida.
Quando organizei o meu primeiro livro, estava totalmente tomada pelo encanto poético de São José do Egito. O sertão do Pajeú identificou-se comigo de tal forma que chegamos a nos misturar. Hoje, treze anos depois, começo a organizar o segundo, morando e sendo tomada pela magia de Canhotinho.
Só que entre São José do Egito e Canhotinho passou por mim nesses treze anos a energia do Recife. O Recife tão fundamentalmente importante na minha vida quanto a própria essência dela mesma. Ali eu transei pela primeira vez, ali eu pari os meus dois filhos, eu casei, descasei, cansei de tudo e recomecei de forma diferente. Recife apresentou-se nesse tempo para mim, violentamente natural, tristemente Solitário e apaixonadamente encantador.
Treze anos depois, apresento-me aos meus leitores com o Pajeú, o Canhoto e o Capibaribe desaguando simultaneamente no meu mar. Quanto mais águas me lavem, mais limpa serei e estarei para enfrentar-me e enfrentá-los companheiros de luta. Estaremos juntos por mais vestido que você consiga estar (com todo esse calor) e por mais nua que eu agente ser (com todo esse frio).
E sigamos, eu escrevendo livros e você lendo livros. A própria dinâmica da vida conterá e explicará esse dueto.

Graça Nascimento







 

Prosa


 



Que a carapuça lhe caia

            Não quero escrever coisas medíocres. De medíocres bastam as suas tentativas mil de reinar.
            Ah! Falsos palácios, onde rodopiei ao som de valsas fúnebres que davam-me a sensação de plenitude máxima. De que me adiantam as barreiras transpostas se hoje ainda vago perdida em meio ao último acorde da última valsa?
            Hoje escrevo apenas para cumprir uma sina que exerce um fascino ao qual meu ser não resiste. Quero no vai e vem dos dedos abrir o corpo e deixá-lo entregue aos delírios das contrações que anunciam o nascimento da minha obra que nada mais é senão um conjunto de divagações sobre tudo e sobre nada.
            Sinto falta de apetite diante da mesa do lado que de tão farta me enjoa, mesmo antes de provar qualquer um dos seus alimentos.
            Se não escrevo então somo, multiplico, diminuo divido. As vezes é bom lembrar que um mais um são dois, quatro menos um são três, que dois menos um é um e principalmente que um dividido por dois sai da regra e forma um número fragmentado por vírgulas.
            Prefiro as letras, pois os números me mostram uma exatidão que não consigo ver na minha essência.
            Abdiquei da beleza para me sentir bonita, renunciei ao brilho por um lugar ao Sol. Preciso apenas de um raio Solar sobre minha cabeça, mostrando que outras milhares de cabeças brilham no seu reluzir; todos podemos usufruir de um único raio.
            A essa altura da vida, só me serve o verdadeiro, o corrente como o rio nascendo do nada e morrendo no mar, grandioso e ciente do seu destino traçado pelo próprio curso.
            Quero a liberdade e quero chorar lágrimas ácidas sobre algemas que me aprisionam, até senti-las dissolvidas diante dos meus olhos lacrimejantes de êxtase livres.
            De que me serve o pássaro que aprisiono e obrigo a chorar em canto sua dor? Como apreciar um canto que sei ser triste por minha culpa? Esse canto por certo encherá meus ouvidos de melancolia, muito mais que prazer. A dor de saber que abrindo a gaiola, perderei esse canto triste, mostra-me claro que em verdade nunca o ouvi cantar.
            Quero voar nas asas dos meus passarinhos sabendo-os felizes por voarmos juntos e não nos fatigarmos como os prisioneiros.
            Pobre do homem que prende-se e não vê, cega-se e não sente, dilui-se e não nota. O medo de que exista apenas uma forma, impede-nos de continuar. Encontrar um suposto ideal é mais fácil do que continuar tentando. São as falsas paradas que nos dão a falsa impressão de ter encontrado o fim da linha. São paradas as vezes tão fortes que entrevam as nossas asas e levamos verdadeiras eternidades para levantar outro vôo.
            A esperança é a anfitriã de cada parada e adora fazer os forasteiros atrasarem suas partidas, enchendo-os sempre de expectativas. A esperança não faz por mal... ela só deseja que todos tentem... ela existe para isso. Quem poderá modificar a fatalidade da missão determinada de uma sensação?
            No correr da viagem procuro captar todas as sensações que me façam liberta. Liberta de quem? De você e da sua falsa liberdade.
Suas formas de ser livre me soam como receitas de bola das mesinhas das vovós, que acalentam mas não curam, aparentam mas não são. É preciso que haja uma hemorragia inundando de cor o seu dia e de vida ensanguentada o gelo dessa parada que quer matá-lo.



 







Eu e a justiça

             No tempo em que os ladrões de paletó e gravata estavam procurando a melhor forma de roubar os meus filhos, tomei conhecimento que morava em um palácio uma criatura que poderia ajudar-me.
Fui imediatamente à procura dessa ajuda. Deparo-me então com um prédio enorme, acima do qual, em posição ereta e fria, avistei uma mulher cega. De imediato compadeço-me do lesamento físico e penso em aproximar-me para que pudéssemos conversar sobre as nossas mágoas. Éramos ambas mulheres, quem sabe ela me ajudaria a encontrar o ser poderoso que vivia naquele palácio e que poderia me auxiliar.
Fui subindo as escadarias e em cada degrau me deparei com pessoas vestidas formalmente. Elas pareciam prestar a cada minuto homenagens a uma figura imperceptível. Pareciam também ter senhas de identificação, pois só elas tinha acesso umas as outras. Cada uma tinha em um dedo de uma das mãos um anel vermelho que brilhava e parecia ser o símbolo daquela raça, que não consegui identificar com nenhuma outra tamanha a prepotência.
Com cada gesto, cada palavra, cada expressão, eles demonstravam e transpareciam o quanto se sentiam altivos e superiores. Era como se lhes fossem atribuídos poderes de domínio. Como se das suas bocas saíssem a criação das palavras que pudessem ser ditas, dos seus olhos saíssem a maneira padrão de um olhar, das suas mentes saíssem os pensamentos dignos de serem pensados. Temi-os de imediato. Nenhum pareceu-me preocupado em fundamentar a criação das suas obras na desordem que girava ao seu redor e sem, na permanência de uma ordem e cumplicidade internas, que lhes garantiam o poderio e o domínio diante de outros seres.
Nem por um momento senti-os Soltos, apesar da imponência que transpareciam em seus rostos frios.
Estava claro que eram servos de alguém. Todos reverenciavam alguma coisa acima das suas cabeças, já que prestavam continência em atitude de bajulação a algum outro ser que reinava no andar de cima daquele palácio tenebroso. Continuei subindo as escadas. Agora buscava encontrar a criatura que poderia aplacar a fúria dos meus juízes e a mulher cega que vi de baixo e despertou-me a vontade de ver de perto. Mas quem seria a figura que conseguia dominar um exército tão atrevido?
Fui até o fim da linha e qual não foi a minha surpresa quando constatei que era justamente a mulher cega que reinava naquele castelo. Trêmula, confusa e emocionada tentei me aproximar e perguntei:
- O que houve com os seus olhos?
- Eles estão abertos.
- E eles enxergam?
- Só os palácios.
- E o resto do mundo?
- Não conheço o mundo.
- Você já foi mãe?
- Sou estéril.
- E já sofreu por isso?
- Produzo outros filhos.
- E os ama?
- Não conheço sentimentos.
- Em que se baseia para reinar?
- No poder em si.
- E o que lhe traz o poder?
- Ele garante.
- Garante o que?
- O meu reinado.
- Você pode salvar os meus filhos?
- Não os conheço.
- Quer ir vê-los comigo?
- Não tenho tempo.
- Mas você decidirá suas vidas.
- Meus representantes.
- E eles vão conhecer os meus filhos?
- Não conheço os meus representantes.
- E como lhe representam?
- Agindo em meu nome.
- E você permite?
- Eu ordeno.
- Por favor, me ajude.
- Não me interessa esse lado.
- Que lado lhe interessa?
- Eu sou os papeis, as leis, os mandatos, as prisões, os processo, apenas isso.
- E as pessoas?
- Elas me servem.
- E as letras dos papeis, o conteúdo das leis, a razão das prisões, as lesões dos laudos, os porquês dos processos?
- Outros cuidam disso, apenas aplico-me.
- Veja o outro lado da minha vida.
- Não é da minha área.
- Mas eu cheguei a você de uma longa estrada, deixe-me pelo menos descrevê-la.
- Só me importa o ato.
- Mas os atos são reações.
- Já disse não lido com sentimentos.
- Mas os homens são o que sentem.
- Eles que livrem-se de mim.
- Eu sou Mãe.
- Eu sou estéril.
- Tente.
- Retire-se.
            E a mulher calou-se diante de mim fria e implacável. Fui então presa por braços fortes dos seus lacaios e expulsa do palácio onde ousei buscar ajuda.

*Escrito em 1985 quando numa separação litigiosa eu tentava conseguir a posse dos meus filhos. Não consegui e hoje 18 anos depois ambos estão presos no presídio Aníbal Bruno e a mesma justiça que tentei pedir ajuda condena-os com a mesma frieza que condenou-me e afastou-os de mim.
 
 

 




Nenhum comentário:

Postar um comentário