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quinta-feira, 17 de março de 2016

MEU CORPO

Meu corpo é minha forma humana
Meu corpo é um conclusão...

Resumo da minha energia
Concreto do meu abstratismo
Tradução do meu existir

Meu corpo é meu instrumento
Com ele tenho a ilusão de ter pés
E posso seguir caminhos
Posso sentir espinhos

Meu corpo é minha agonia
Traduz a dor e a alegria
Induz movimentos de salvação
Me faz sentir que tenho mão

Para que abrindo-a entregue
Ou fechando-a negue...

Meu corpo é minha virtude
Meu corpo me dá quietude
Força-me a ser humana
Obriga-me a essa guerra

Meu corpo me pertence
E só a mim e a terra...



sábado, 19 de dezembro de 2015

Graça Nascimento - Na nudez da poesia (completo)

Na nudez da poesia
Graça Nascimento

 
Nascimento, Graça
Na nudez da poesia / Graça Nascimento – Pernambuco – Brasil: edição comemorativa - 2015.


                    1.Poesia brasileira


versão pdf (venda proibida)



APRESENTAÇÃO

            Eu sou Graça Nascimento. O Nascimento veio de fora, foi a primeira imposição que me fez o mundo com suas leis, seus dogmas, seus tratados, suas instituições, enfim suas armas de destruição. A graça no entanto, estou certa que vem de dentro e é a única verdade absoluta.
            Nasci em Canhotinho, no agreste pernambucano. Sempre tive uma certa intimidade com as letras e sempre usei-as como meio de transmitir para o concreto de um papel o abstratismo do meu sentimento. É como se fosse necessário visualizar a emoção para melhor senti-la. Gosto de ler-me, é como se tivesse sentido-me outra vez, e outra mais, outra mais...
            A compreensão da universalidade da minha dor e do meu êxtase, a constatação da existência de milhões de versos presos e milhões de emoções latentes carentes de ecos. A necessidade simplesmente humana de encontrar identificações, me faz editar um livro.
            A minha poesia é muito pessoal no sentido de regras literárias, escolas a serem seguidas, estilos e tantos outros termos, que me soam como fabricação puramente intelectual e técnica. Desde os treze ou quatorze anos que faço poesia, não sei se bem ou mal. Sei que a poesia faz o poeta e o poeta faz a poesia, se essa interação for conseguida a nível profundo de sentimento e comportamento. Se o mundo doente não conseguir afastar o criador da sua obra, então todo poeta é poesia e toda poesia é sinônimo de poeta. Quanto a definição de bem ou mal, isso são só sintomas da doença que domina a humanidade.
            Viajando em uma emoção e atingindo orgasmos num desfecho, entendi o que é soneto. Aprendi fazer décimas, poesias com mote, mourões voltados e perguntados e outros estilos do reinado da métrica e da rima, quando a vida numa dádiva natural, me colocou no sertão do pajeú e tive a aventura de conhecer Louro, Job, Brandão, Severina Branca, Paulinho, Manoel Filó, Lamartine, Sebastião Dias, Marquinho, e tantas outras manifestações vivas da verdadeira poesia. Aprendi comigo mesma a aprender tudo isso e continuar solta no verso, misturando estilos e criando a forma particular de Graça, que por si só não tem nenhuma forma e se sente muito geral.
            Neste livro vão fragmentos dos meus gritos e como esses são variáveis, mutáveis e livres, assim são meus versos e assim sou eu. Se minha emoção conseguir lhe emocionar a ponto de unir-nos de forma plena, meu livro terá sido a realização do meu sonho.

Graça Nascimento.



HOMENAGEM ESPECIAL

            A WILHELM REICH, por toda luz que acendeu para a humanidade, e a CRISTO homem, pelas lições de vida, sem mistificações que só traduzem o medo de ser livre.



VIVAS

Viva Raul Seixas
Viva Cazuza
Viva Louro do Pajeú
Viva o poeta repentista
Viva Tetê e Bambi
Viva Zá, Glória, Saulo, Didi, Kaitinha, Nenê, Ciça, Gleice, Silvana, Lielza, Shnnaider, Selene, Lamartine e Eu.


SUMÁRIO

MEU CORPO
AI DE MIM
AOS MACHÕES DECADENTES
MATOU-SE OUTRA MULHER
CRESÇA
COVARDIA
PRISÃO ABENÇOADA
BODAS... DE BRONZE... DE PRATA... DE OURO... DE TOLO
SUJEIRAS MACHISTAS
DEPRESSÃO
CONFORMAÇÃO
CANAL DE SETÚBAL
PARTOS
MARCOU
TARA RARA
PLANTA SERTANEJA
SENHORA FULANO DE TAL
IDEOLOGIAS FARSANTES
QUIMERA
VERGONHA FEMININA
DOR
ESPOSA DECADENTE
ÁGUA COM AÇÚCAR
FILOSOFIAS BARATAS
FATALIDADE
VIAGENS
PSICOLOGIANDO
DESCULPAS AO RECIFE
MISTÉRIOS
MEDO
POBRE BURGUESIA
CASAMENTO
EU E ELA
SUTIS DIFERENÇAS
FANATISMO II
SEM POSSE
DOUTRO POETA
SAUDADE
CARUARU-NIGHT E DIA (Av. Agamenon 1973)
RETRATO DA GENTE
MORALISTAS OU OTÁRIOS
FALSA MORAL
O BRANCO NA LUA CHEIA TOMOU CONTA DO SERTÃO
QUANDO A NATUREZA FALA QUALQUER VOZ DEVE CALAR
FANTASIA
REVOLTA
FILHO (Bambi)
ORAÇÃO
BRASIL, 17 DE DEZEMBRO DE 1999
PAIXÃO
NOS BAILES DA VIDA (Viva Binha)
BARREIRAS



POESIAS




RECADO ESPECIAL

Tu não me feres ao mudar teu rumo
Eu também quis seguir por outra estrada
No mundo o tudo quase sempre é nada
Ninguém tem culpa, assumas que eu assumo

De todo fruto provamos do sumo
A plenitude foi por nós buscada
Eu te amei e me senti amada
Mas nos perdemos, saímos do prumo

Sigas buscando encontrar vitória
Desejo a ti que alcances toda glória
E que persigas firme a tua caça

Aqui distante vou viver somente
Pra ver brotar minha própria semente
E ter comigo para sempre a graça.





(1985 – Perdi meus filhos na justiça)
AOS MEUS JUÍZES

Os meus juízes que se dizem justos
Erguem monumentos, inauguram bustos
E sempre limpos e formais
Reverenciam metais
Negociam em funerais.

Os meus juízes que se dizem retos
Giram roletas e escolhem a sorte
Daqueles a quem condenarão a morte.

E vivem noites de gala
Nas reuniões sociais
Onde o destino do menino
Que nasce no relento
Pela vida castigado
Não é assunto apropriado.

Tudo se faz pequeno
Diante do capital...

Que interessa o medo
Que há no olhar do bandido
Que de tanto ser ferido
Não calcula o que é a dor
E a repassa ao primeiro
Que tenta dificultar
A leve esperança do salto
Que tenta com cada assalto...

E a célula atrofiada
Dentro do organismo
É a retidão dos pobres
Imoralidade e cinismo.

E eu que sempre sou ré
Permaneço de pé
Olhando pra os meus juízes
Que em frente das matrizes
Proclamam a sua fé...

E bendigo ser errada
Quando o certo dessa estrada
Certamente será nada.






FUGA

Refugias em farsa o peito ardente
Te negando o direito à liberdade
O teu ser já conhece o que é verdade
Mas pra sobreviver ainda mente

Quando fraco tu negas, teu semblante
Fica opaco, arredio, cruel e frio
Nada passas pra mim, ficas vazio
Desconheço o poeta, o sábio errante

Mas a dor de um parto é a mais sublime
É a vida na vida que ela exprime
E antecede a ventura do nascer

Quando fores rasgado em poesia
No aborto da tua própria cria
Haverás de pensar em renascer.







BUSCA

Pra descobrires o tamanho do meu amor
Terás que ir junto comigo ao infinito
Por onde só meu sentimento viajou
Em mil galáxias consumindo o que é bonito

Se conseguires me encont8rar entre os meus mundos
A me esconder só por temer a plenitude
Me tome toda, me libere, me desnude
Leia meus sonhos e os torne mais fecundos

Me ensine a arte de amar e ser amada
Me dê a mão e tome a minha nessa estrada
Vamos seguir em direção à vida nua

Na ilusão ou na verdade de se dar
Vamos viver, vamos sorrir, vamos somar
Mesmo que dure só a fase de uma lua.







A GENTE SE DESENCONTRA
SÓ PRA PODER SE ENCONTRAR

Igualmente a Lua cheia
No romper de uma aurora
Quando o Sol mostra que é hora
E que o dia já clareia
A Lua não se aperreia
De se ir e ele ficar
Pois sabe que vai voltar
E a natureza não é contra
A gente se desencontra
Só pra poder se encontrar

Como a mãe a criança
Na hora do nascimento
Justamente no momento
De romper a aliança
A vida não se balança
Nem ameaça parar
Pois já no primeiro olhar
Uma a outra reencontra
A gente se desencontra
Só pra poder se encontrar

Como o mar e o pescador
Na volta de uma jangada
Quando a rede já lançada
Trouxe o fruto do labor
Não há sentido de dor
Quando vão se separar
Pois se o peixe tá no mar
Quem volta já o encontra
A gente se desencontra
Só pra poder se encontrar.






VOU OUTRA VEZ PRO SERTÃO
ME BANHAR DE POESIA

Levando como bagagem
Uma esperança menina
Sentindo que minha sina
É buscar outra viagem
Então já comprei passagem
E já marquei mês e dia
Quando maio se irradia
E se espalha na amplidão
Vou outra vez por sertão
Me banhar de poesia

Minha alma solta ao vento
Relembrando outra viagem
Se sente assim com coragem
De buscar outro momento
Voando no pensamento
E na lembrança anuncia
Que novamente a magia
Invade meu coração
Vou outra vez pro sertão
Me banhar de poesia

Sinto outra vez cada rua
Cada balanço na rede
Sinto uma espécie de sede
De estrela, céu e lua
Quero outra vez me ver nua
E a nudez já principia
Essa saudade é meu guia
E sem ter outra opção
Vou outra vez pro sertão
Me banhar de poesia.








ANARQUIA OU LIBERDADE

Não defendo causa alguma apenas vivo
Não levanto bandeira feita fora
É de dentro o reino a ser conquistado
É invisível cada bem a ser somado...

Nada criado
Nada fabricado

Nenhum partido
Nenhuma lei
Nenhum profeta
Nenhum rei

Nada além do que vem desse meu peito
Que latejando dita o que ser feito

E sigo firme em uma procissão
Cujo andor da vida guia cada passo
Sem temer o êxtase, nem o fracasso
Vou seguindo o reflexo do meu interior
Passando por cima de qualquer ditador
E seguindo firme.







POLITICAGEM IRRESPONSÁVEL

Me dissestes que havia uma esquerda
Mas não me ensinastes a sua direção

Me alertastes que havia um partido
Mas não me passastes nenhuma ideologia

Hoje que entendo
O que dizias entender
Posso então compreender
Que poucos são os que podem dobrar à esquerda
E menos ainda entender um partido.







ÚLTIMO SONETO

Quando voei para bem longe de nós dois
Pra conjugar um “eu estou” sem “tu estás”
Eu decidi mesmo deixar tudo pra trás
Pois nosso amor com o meu sonho se indispôs

Acreditei que eras tão meu quanto era tua
Em poesia decantei todo teu ser
Vivo os sonhos que nunca sonhei viver
Me enchi de mar, de céu, estrelas e de lua

Mas ao sentir fragilidade no que davas
Quase morri vendo que pouco me amavas
E nos delírios dessa dor chorei por mim

Para curar então meu peito dolorido
Eu disse a ele que havia te esquecido
E numa estória de amor escrevi FIM.







SER MÃE (Para meus filhos)

As vezes você me cobra
Um velho modelo de mãe
Criado não sei por qual mulher...
Talvez pelo próprio homem
Que disfarçado de forte
Precisou de um ombro amigo
Pra lhe tirar do perigo
E amparar sua sorte

Mas esse homem que nunca confessou
A fortaleza que a mulher lhe dá
Deu a ela uma obrigação,
Tornar-se santa, quando em sua mão
Carrega um fruto seu e da vida

A santidade materna que me habita
É bem diferente dessa que evita
Que a mulher seja livre mesmo sendo mãe
E permita que a vida outra vez lhe apanhe...

Quero permanecer pecadora
Quero continuar sedutora
Quero errar no ensinamento
Não cumprindo o mandamento
Que me põe rédeas porque sou mãe

O desabrochar da vida que é você meu filho
Há de completar-se alheio ao meu brilho
E o meu papel nessa abertura
É contemplar cada ruptura
E vê-lo voando sem mim
Com asas lindas e voos sem fim,
Com tombos iguais aos meus
Para que possamos criar nosso estilo
O meu de ser mãe
E o seu de ser filho.







O PREÇO DA LIBERDADE

Meu filho me quer comum
Uma mãe a mais
Uma lutadora a menos

Afinal são mais amenos
Os sentimentos parados
Repetitivos
Cansativos
Sem motivos...

Meu menino me quer igual
Repetindo a agonia feminina
Imposta a mim como sina

Meu filho que eu quero livre
Me prefere prisioneira
Não me quer na brincadeira

A falsa moral que eu assassino
Assassina o meu menino

Ele não me quer sensual
Pois o sexo já lhe fere
O sujo já interfere
No seu sentir natural

Firo meu filho com os seios
Os mesmos que ele sugou
E na hora nem reparou
Que eles deviam ter freios

Meu menino adolescente
Já sabe o que é indecente
Na sujeira que é ser decente

Meu filho assim enganado
Já se sente magoado
E magoa a liberdade,
Parece fatalidade
A destruição do belo
E esse corte no elo
Que une a vida e a verdade

Coitada da humanidade
Que mata suas crianças
Afastando as esperanças
E se entregando covarde.



ABRIL NO SERTÃO

O sertanejo hoje acordou feliz
Choveu à noite prometendo vida
Vê-se o sorriso e a esperança ida
Na asa branca e nos colibris

Hoje o sorriso desdentado e belo
Do plantador que espera receoso
É tão real, tão vivo e tão gostoso
Que vê-se Deus e homem ainda em elo

A natureza tá cantando tanto
Que nem parece que já chorou pranto
Pois no sertão o homem é assim

Aguenta a dor, espera numa rede
Mas quando a água mata sua sede
Não pensa mais em nada que é ruim.







ORGASMO

Hoje bem cedo o sertão me sorriu
De manhãzinha em natureza clara
Me parecendo alguma coisa rara
E em poesia meu peito se abriu

O verde hoje tá mais verde ainda
E o azul abriu-se em cem mil céus
Abri os olhos retirando os véus
Pra receber essa manhã bem vinda

O que virá depois de tanto belo
Só servirá para prender o elo
Que me mistura com tanta beleza

Nada no mundo vai me magoar
Pois hoje a vida quis me arrebatar
Numa viagem pela natureza.






SÃO JOSÉ DO EGITO

Na magia oriental
De um Egito nordestino
Entendi que o meu destino
É fugir da capital

Na silenciosa hora
Que passa desapercebida
Levando o dia e a vida
E o pranto de quem chora

Entendi que o meu sofrer
Vem só de não poder ver
Todo dia o sol se pôr
E no outro ele nascer

Vem do ouvido maltratado
Pelo barulho da buzina
Vem da pastora menina
Que perdeu o seu cajado

E no sertão do pajeú
Meu ouvido sofredor
Parou e deixou de ouvir
Passando a ver e sentir
Que o verdadeiro som
É aquele que num tom
Foge surdo no além
Num vento que vai e vem
Mostrando um balanço bom

Transforma-se na folha seca
Que rompe-se num som calado
Ansiando algum molhado
Que impeça o seu tombar

Mas sentindo que existiu
Tanto que garantiu
Que seu som fosse escutado

Vi doação de estrelas
Que luziam oferecidas
Fazendo brotar mil vidas
Só na atitude de vê-las

E minha mão calejada
Nos ferros dos bondes lotados
Viu outros calos formados
Pelo cabo da enxada

E senti que a natureza
Maltrata mais devagar
E até quando faz sangrar
O sangue cheira a grandeza.






TROMBADINHA

Com o olhar ansioso
Com a cara suja
O estômago vazio
E a alma confusa

Chega à minha porta
A imagem do trombadinha

Ouço o alerta da vizinha
Que corre pra investigar o varal
Corre pra fechar o portão
É um perigo
É um ladrão

E ele com nove anos
Já sofreu os desenganos
Que não consegue entender
Tá passando por um mundo
E é obrigado a viver

É inevitável ser criança
Sonhar com a fada
Ter medo da bruxa
Amar infinito
Assistir a Xuxa

Até na FEBEM
A infância faz sentido
Pois por não entender bem
A forma da boa ação
Pra ele a instituição
Chama-se bicho papão

Num ato materno ou revoltado
Ajudou sua dor a crescer
E seu sonho acontecer

Atendendo seu pedido
Ligo a televisão
E vejo... e sofro sua emoção

A luz faz-se à sua frente
Quando vê pessoalmente
Todo sonho que sonhou...

Como é lindo aquele mundo
Como é feliz a vida,
Será que aquilo existe
Ou faz parte do delírio
Que sua mente consome
Gerado por tanta fome?

Que gosto terá iogurte,
E aquele chocolate?
E o cãozinho que late,
O carro que vira robô?

O que será estudar
Como será passear?

A fome que agora ele sente
É uma fome na mente
E a dor que lhe assola
Só passa cheirando cola

Corram meninos
Lá vem o cheira-cola

E ele passa meio aéreo
Com o olhar em devaneio.
A fuga das crianças abre-lhe alas
A rua é só sua

O mundo é um carrossel
Doce, doce, mel

Chega então o momento
Em que sonhar é sofrimento
E pra participar
É inevitável roubar

Mas ladrão que rouba ladrão
Tem cem anos de perdão.





LIÇÕES DA NATUREZA

A lua se fez mulher
O sol queima masculino

Mas e rio correm machos
Cachoeira cai fêmea

Na força, na luz e na beleza
Cada encanto da natureza
Ocupa um espaço infinito
Formando o que é bonito
Com igualdade e grandeza

E toda essa realeza
Desfruta e oferece dons iguais

Porque então homem e mulher
Disputam o poder de dominar
Quando podem desfrutar
Da vida como ela é?






GALOPES DA VIDA

Galopei seu galope nas margens do pajeú
Encantei-me no que antes lhe fez encantado
E todo o meu ser por êxtase tomado
Entendeu o rio, o verde e o azul

Voei sua asa e bebi sua água
Sonhei seu mistério acordando em seu cio
Pensei que também numa beira de rio
Criou-se outra dor e cantou-se outra mágoa

Meu rio no seu regou outras flores
Colhi-as em cachos pra enfeitar nós dois
Veio o seu galope e o meu depois
Iluminando em versos o brotar dos amores

As águas desse rio me levarão ao mar
Mas nessa nascente lanço a poesia
Pra que nunca acabe o que principia
E eu nasça aqui, mesmo estando lá.








SENSAÇÃO DE ETERNIDADE

Não há poema que resuma nossa estória
Não há nota que traduza nosso som
Não há cor que se compare ao nosso tom
Não há amor que tire o nosso da memória

E por não ter material pra traduzir
O infinito que criamos pra nós dois
Não há mais antes e nem haverá depois
Do dia triste em que tivemos que partir

E ancoramos nesse porto solitário
Sem esperanças de voltar a navegar
Resta a nós dois apenas esperar
O vagaroso desfilar do calendário

Entre tristezas e entre falsos amores
Desempenhamos os papeis que nos impõem
E as pessoas desligadas nem supõe
Que não passamos de dois pobres atores

Com beijos falsos nossas bocas masturbamos
Buscando em vão a verdade no reflexo
Não encontrando em ninguém o nosso sexo
Nos fica a triste sensação de que acabamos

Melhor seria ter morrido do que ver
A morte em vida a que nos condenamos
Quando covardes nós mesmos separamos
Um par perfeito como foi eu e você.






REICH EXPLICA

Sei de pessoas que tem excessivas vestes
E que rodeiam o teu ser pra te cobrir
Pois todas sentem o poder que há em ti
E tendo medo te esmagam em suas pestes

Mas eu te vejo mesmo em meio aos teus temores
Ser perseguido e perseguindo a tua meta
E dando curvas no galgar da tua reta
Para poder dá evasão aos teus amores

Mas és tão nu na sensação de está vestido
E está tão livre o teu peito dividido
Que só com graça ris de tudo que te prende

Sei que teu rio vai seguir sempre pro mar
E desviando o que possa te parar
Somente à vida o teu ser belo se rende.








“EU SOU O CAMINHO... A VERDADE... E A VIDA...”

O Cristo-VIDA tão crucificado
Em cada esquina em cada coração
Entrou em mim e quer a minha mão
Para lutar em prol do seu reinado

O Cristo-Vida mal interpretado
Quer liberdade, luz e poesia
Não quer igrejas cheias de heresia
Nem quer o sujo em limpo camuflado

O Cristo-VIDA tem o pé no chão
Não quer status, cargos ou mansão
O seu reinado eu consigo ver

Justo você, cristão que cheira a ouro
Ou é beato, moralista tolo
Terá comigo muito que aprender.








ALGOZES DE SI MESMOS

Quando minha vizinha me espiona
Pela brecha da janela,
Sinto a dor do bom político
Quando a massa desconfia dos seus atos

Mas eu sei que a culpa não é da vizinha,
E ele sabe que a culpa não é da massa

Por isso seguimos firmes:
Eu defendendo a mulher
E ele a justiça social.







FORÇA FEMININA

Sinto-me heroína por constatar
Que essa luta constante
Que luto desde cedo
Mesmo morrendo de medo
Nunca deixei de encarar

Já levei tapa na cara
Por não ter calado a boca
Mesmo sabendo que a força bruta
A qualquer momento me causaria dor
Mesmo assim enfrentei o ditador
E nunca fugi da luta

Orgulho-me dos murros que levei
Envergonho-me de alguns homens que amei.








RECIFE-BRASÍLIA
{NO AVIÃO}

Voando assim com essas asas fabricadas
Por quem sonhou com algum voo dos humanos
Carrego em mim uns mil e um sonhos ciganos
E aqui no ar eu sou mais forte que as estradas

As minhas asas batem ágeis e agitadas
Na impressão de estar voando em outros planos
Acreditando na cura dos desenganos
Vendo a esperança nos espaços espalhados

Carrego em mim a poesia e a viagem
Ambas perdidas no oceano da miragem
Suspensas n'água a formar estranha ilha

Que me promete esperança de abrigo
Que me excita a vencer qualquer perigo
Me conduzindo ao planalto que é Brasília.







MEU FILHO (NETINHO)

Sete de sete de setenta e sete
Sete de sete de cem anos mais
Com cem mil passos vou correndo atrás
Dois mil mistérios que teu ser reveste

Há doze anos teus primeiros setes
Multiplicados por meu grande amor
Antecedidos de prazer e dor
Despiram todas as antigas vestes

Em outro sete hoje nós estamos
E sete vezes mais nós nos amamos
Justificando assim sua chegada

Sete mil vezes que eu me declarar
Nem mesmo assim vou poder lhe mostrar
A sua força nessa minha estrada.






POBRES CAPACHOS

Vejo rindo descendentes de Judeus
Que preferiram Barrabás a Jesus
Vejo-os mandando para cruz
Outros Cristos por pecados seus

O povo que clama por justiça
O povo que morre de abandono
É o mesmo que lambe os pés nojentos
Dos homens do poder

Veja você.





EPITÁFIO DE UM MORTO-VIVO

Sepultaram teu corpo
Que gemia no meu
Ficaram meus gemidos
Ansiando os teus.




A ROLA DO MEU AMADO

A rola singular do meu amado
Tão igual e diferente das demais
Entra em mim na sinfonia de alguns ais
Me mostrando o lado santo do pecado

Quando cresce no crescer da minha entrega
E endurece para entrar no paraíso
Abro as portas sem temor e sem juízo
E ao amor nada mais a vida nega

Sedutora e atrevida me domina
Dominada em meu poder que lhe fascina
Entra e sai até me ver cair vencida

No prazer de entregar e possuir
Num só ato a delícia de existir
Ao senti-la me regando com a vida.






AMOR PLURAL

Relembro as vezes todos de uma vez
Cada momento que amei alguém
Com toda força que o amor tem
Amo-os de novo, em plena lucidez

E não misturo nem por um instante
A essência única que cada um tem
E os separo e os distingo bem
Nessa constância de ser inconstante

Amando assim a todos que amei
E dando tudo, tudo que já dei
Entendo a mim e ao universal

Pois se o amor for visto natureza
O homem ainda com toda certeza
Vai vê a cura do seu grande mal.








LUTA FÊMEA

Luto pela mulher que sou
Pela mulher que você é
Luto por nós duas
E pela flor que é mulher

Luto por você que me condena
Você que me acha obscena
E só suspira na emoção
Que sente com a novela da TV

Luto por você que me incrimina
E lambendo esperma por obrigação
Faz a vontade de um cidadão
Que lhe dá um nome
Lhe dá a honra
Lhe garante respeito social
E lhe trata como um animal

Luto por você que me inveja
E me contamina com sua energia
Carregada de covardia
E de medo de tentar

Não luto pela menstruação
Pelo parto
Ou pelo hímen

Luto por mim enquanto ser
Luto por mim e por você
Ajude-nos.






CONTOS DE FADA

Princesas acordem.
Nossos príncipes estão enfeitiçados
De tanto pensarem nos seus reinados
Veem nos vendo como uma pedra a mais
Que enchem os seus baús
E os tornam poderosos

Cinderelas lutem.
Prefiram o borralho digno
A um salvador benigno
Que lhe passará no rosto
Que acabou seu desgosto
E lhe fez princesa

Belas adormecidas,
Busquem no sonho a luta do acordar
E o beijo que sua boca dará
Abrirá seu olho para o mundo,
Sem precisar da mão
De alguém que na salvação
Lhe tornará sua escrava

Acordem princesas
O conto de fada acabou
Chegou a hora de entender
A mulher que há em você

Chegou enfiam nossa hora
De enfrentar os pobres guerreiros
Que por caminhos trapaceiros
Lutam pelo poder

Chegou a hora de acordar dorminhocas
Chegou o momento de garantir
Que princesas não nasceram pra dormir
Nem príncipes para serem salvação.










MASTURBAÇÃO

A liberdade que passas para mim
Com tua voz, teu corpo e com teu ser
Me faz ficar louca, sem entender
Como é que pode haver alguém assim

Mesmo infinito, imenso e inexplicável
Tu preferistes te amarrar ao chão
Mas se me abres largo o coração
Deixas o abstrato ser palpável

O “solto” em ti, espalha-se no ar
Quero o teu belo então multiplicar
E multiplico tua imensidão

Buscando um gosto que pareça o teu
Meu corpo louco, livre e muito ateu
Buscou teu gosto no do teu irmão.









LUZ E TREVAS

Em teu verso meu verso se encontrou
No teu olho meu olho viu verdade
Viu mistério, viu força e claridade
E de luz nosso encontro se inundou

Me mostrei pra você solta e feroz
Fui ousada ao lhe falar da vida
Me abri e expus bem a ferida
Que lateja no peito e nos faz sós

Viajei com você inteira e nua
Pra dar luz ao cenário havia a lua
E deixei que brotasse o universo

Mas na flor que brotou havia espinho
Que furou e feriu nosso caminho
Transformando-se a luz no seu inverso.








MEU CORPO

Meu corpo é minha forma humana
Meu corpo é um conclusão...

Resumo da minha energia
Concreto do meu abstratismo
Tradução do meu existir

Meu corpo é meu instrumento
Com ele tenho a ilusão de ter pés
E posso seguir caminhos
Posso sentir espinhos

Meu corpo é minha agonia
Traduz a dor e a alegria
Induz movimentos de salvação
Me faz sentir que tenho mão

Para que abrindo-a entregue
Ou fechando-a negue...

Meu corpo é minha virtude
Meu corpo me dá quietude
Força-me a ser humana
Obriga-me a essa guerra

Meu corpo me pertence
E só a mim e a terra...















AI DE MIM

Ai de mim que triste só falo de dores
Sem ter mais o riso dos sonhos primeiros
Pois os desencantos com tiros certeiros
Apagaram luzes, me tirando as cores

São inúteis versos, inúteis amores
Todos parecidos, todos traiçoeiros
Como ervas daninhas entre meus canteiros
Cortam seus encantos ferindo esplendores

Aai da poesia vinda assim sangrenta
Ai do barco frágil em meio a tormenta
Ai de mim que creio no que ninguém crê

Sou uma iludida pela poesia
Vago pela noite em busca de algum dia
Que clareie as trevas pra que eu possa ver.







AOS MACHÕES DECADENTES

Não.
Você não me usa mais tentando gozar em mim
Já se foi o tempo em que a coisa era assim...

Hoje tenho coragem e abertura
Para romper com a estrutura
Que fez de você meu dono

Hoje eu gozaria em você
Se fosse como você foi,
Se lhe usasse como fui usada
Poderia lhe ter numa trepada
E sentir-me poderosa

Mas o “SER MULHER” que me habita
Faz com que eu não repita a sua fita,
E diferente de você
Quando lhe tenho é por lhe querer
Quando desfruto do seu prazer
Goze e se sinta amado

Nesse meu tempo de graça
Nesse meu novo reinado
Não repetirei seu passado

E o homem que você é
Terá em mim apenas a mulher

Como parceira
Como companheira,
Sem medo
E sem desigualdade
Não é verdade?










MATOU-SE OUTRA MULHER

Quem me dera sua coragem maior
Quando atando o pescoço com um nó
Enforcou o que lhe prendia
Fluindo solta em energia
Sem mais ansiar tocar
O que sempre lhe pareceu intocável.

Quem me dera sua coragem final
De rasgar com força outro recomeço,
De conquistar
De desbravar
De me arriscar

Quem me dera chegar lá como heroína
Do jeito que você conseguiu
Vencendo o medo do mistério
No seu momento mais sério
Zombou de quem lhe feriu

E foi-se por conta própria
Usando apenas sua mão
No praticar da ação

A ação que concluiu
O fim de uma caminhada
A ação que lhe implodiu
E lançou-lhe em retirada

Eu já pensei em ir assim
Guerreira de espada na mão
Mas o medo da ação
Me faz ficar... e esperar.








CRESÇA

Vá...
Sei que você ainda necessita ir
Busque...
Sinto que você ainda tem muito a descobrir

Ainda nos veremos.

Cuide-se...
Para que na volta
Quando ela acontecer um dia,
Você possa vangloriar-se
Trazendo na mala tesouros descobertos.

Trazendo fórmulas e porções de novas mágicas

Vá...
Mas não volte mais de mãos vazias
Para tentar roubar os meus sonhos.









COVARDIA

Pra que varar o ventre com facas afiadas?
Se posso ao invés dessa dor,
Dar ao meu ventre um “quê de amor”
E a ânsia é então disfarçada

Gozar o gozo palpável
Sem arriscar chegar lá...
Ao gozo completo e repleto
Da dor de me libertar

A fuga nessa hora
Se disfarça em sensatez
E a covardia... por que não?
Se finge de lucidez

Sensata e lúcida
Olho-me no espelho e sinto-me triste
Apenas triste.










PRISÃO ABENÇOADA

Teu casamento tentou casar-te tanto
Que maculou toda a essência do teu ser
Transformando o que era sonho em padecer
E mesclando o teu sorriso com o pranto

A tua forma real de acasalar
É desigual da que agora te amarra
E a ovelha ansiosa se desgarra
Quando queria somente formar par

Sente dor teu ser amante e teu ser pai
Pensas em ir, tua ida já não vai
Pra ficar é necessário então mentir

A mentira para ti é verdadeira
Acomoda tua alma estradeira
Dá ao amor esperança de seguir.






BODAS... DE BRONZE... DE PRATA... DE OURO... DE TOLO

Distantes na mesma cama
Tentando acender a chama
Que um dia incendiou
Ardeu tanto que aflorou
E se fez luz vivente

Distantes na mesma mesa
Alimentando a esperança
Que se faça a calmaria
E que retorne a bonança,
Que o alimento faça efeito
E sacie dentro do peito
A fome do que já fomos.

Usando o mesmo banheiro
Pra contar diferentes segredos
Não temos nem condição
De desfrutar da solidão
Do sonho que não virá
E precisamos masturbar

E o que chamamos de lar
Me soa meio vulgar
E me causa a sensação
Muito mais de ser prisão.

A prisão de um ser humano
Que hesita em assegurar
Que não carece ser “lar”
O lugar do aconchego...

Basta a felicidade
De quem ama de verdade
Conseguindo dividir ou somar
Ao invés de assassinar.







SUJEIRAS MACHISTAS

Eu queria que me definissem
O que é uma puta...
A todos que perguntei
A resposta que encontrei
Foi vaga
Mal paga
Ou mal elaborada.

Se as procurar na zona
Por certo lá não há puta
Essa é a linguagem da plebe,
O termo que as define
Em português, é prostituta.

Mas há aquela puta que levita
Pesando esse ar que evita
O passo largo da mulher
Que quer mostrar o que é,
Mas quando tenta uma abertura
É impedida pela nomenclatura

Termos como putaria
Termos como raparigagem
São formas de nos matar
Feitas pra parar nosso passo
Pois tendo sabor de fracasso
Nos impedem de voar...

Mas nós mulheres que entendemos o jogo
Não tememos termos machistas
Pois já temos consciência
Da nossa grande verdade
O termo que nos interessa
É apenas liberdade.






DEPRESSÃO

Em nome do respeito eu me ressinto
Em nome dessa vida eu não me mato
Nesse nó que me prendem eu me ato
Mas sei sou verdadeira, eu não minto

E grito nesse grito impotente
Ansiando um ouvido que fecundo
Ecoe esses meus ais por todo mundo
E traga para mim o diferente

Mas vem essa certeza que me estanca
Na impotência cruel que tudo tranca
E perplexa encaro o meu fim

Sabendo que aqui não há espaço
Pra que eu possa tentar romper o laço
E trazer-me ilesa para mim.









CONFORMAÇÃO

Eu não vou nunca te pedir para voltar
Já entendi não é aqui que ficarás
O teu lugar é aí mesmo onde estás
Mas a saudade vem meu peito suscitar

Então esqueço que não quero mais lembrar
E vou lembrando tudo que a lembrança traz
E essa vontade de ir sempre aonde vais
Aprendo um verso tentando me conformar

E masturbando essa saudade em poesia
Eu vou gozando tua ausência a cada dia
E meu sofrer parece mais satisfação

Pois escrevendo pra falar do nosso amor
Vou me iludindo sentindo prazer na dor
E acompanhando minha triste solidão.








CANAL DE SETÚBAL

Há quem tem a sorte
De acompanhar pela janela
O desenvolver de um milharal
O balanço verde de um matagal

Há quem tem a ventura
De ver correr no seu quintal
Com aquela água clara
Um rio que quase fala

Há quem tem a graça noturna
De vislumbrar no firmamento
O luzir de mil estrelas
É só olhar... se pode vê-las

Coitada de mim poeta atrevida,
Olho a janela e poluída
Vejo a paisagem em construção
Vejo um espigão se erguendo
Vejo homens se desfazendo
Pra levantarem o progresso

O dia todo com náuseas
Cheiro a carniça de um canal
Que toma conta do meu quintal

E no céu de vez em quando
Vejo alguma luz piscando
Mas a zoada do jato
Corta a minha ilusão
Não é estrela
É avião...

E a rima vai empobrecendo
Enquanto olho e vou vendo
Nessa cidade vazia
A morte da poesia.







PARTOS

No crescer tem momentos tão sofridos
Que atravessam o véu do tempo
Correndo pro esquecimento
Para não serem vividos

E quando afloram disfarçados
Dão a dor de os ter guardado
Misturada a dor de vê-los
E mais uma vez encará-los

E repetem o ritual
Até que a tortura final
É o abrir da grade
Quando enfim o sol invade

E mostra que o sofrimento
É o engrandecimento
E quem não enfrenta é covarde.







MARCOU

Perto ou longe sinto-me viva,
Presente ou ausente participo
Amada ou esquecida sou lembrada
Cedo ou tarde voltaremos

Dias, meses e anos são só marcas
O tempo em si não se define
Se ontem já foi hoje e hoje amanhã,
Estou ao mesmo tempo perto e longe

E estando sem estar
Não estarei pra ver a fuga
Mas estarei viva na ruga
Que sua testa formará no esquecimento.








TARA RARA

Entre o sonho e o cio evidente
Encharcados de água e de vida
Numa só sensação dividida
O plantio da nossa semente

Pra regar outra vez nosso chão
Adubando de corpo o infinito
Misturando o que é são e bonito
Lambuzamos de belo a tesão

Entendendo o nascer dos sentidos
Encontramos os elos perdidos
Decifrando a razão do sentir

Com um riso estampado na cara
Conhecendo a ventura da tara
Num amor sem blefar nem mentir.







PLANTA SERTANEJA

Se mil sementes brotam no meu chão
A cada uma tenho que regar
Com o cuidado de não misturar
Nem confundir a essência do grão

Mas há sementes que crescem por si
Já adubadas pela natureza
E carregadas de tal profundeza
Que por si sós conseguem emergir

Você surgiu na sua própria terra
E a energia que em nós dois se encerra
Por natureza fez o grão regado

E qualquer grão que eu precise plantar
E curiosa deseje regar
Com você nunca vai ser comparado.






SENHORA FULANO DE TAL

            Não ouse definir meu sentir
Nem julgue o bem que me pertence

A minha vida é grandeza
E da minha imensa beleza
Eu jamais abrirei mão

Não menospreze os meus ais
Nem se sinta menos capaz
De cometer os meus atos,
Pois de santos medíocres e baratos
O mundo já anda cheio

Não santifique a razão do seu pranto
Tire do corpo esse manto
Fuja do ritual...

Encare que um rival
Sempre é capaz de exceder
Mas o excesso tem freio
No momento que um seio
Aconchega um coração
Que tem a obrigação
De pulsar em harmonia
Com a vida que lhe habita

Não conto grandezas de santa
Faço parte da raça profana
Que mesmo suja de lama
Flutua por sobre as flores
Como quem pisa chão de pai

E tenho a dignidade
De na minha felicidade
Não carregar a dor de ter levado
Um sentimento menor
Que impeça o sonho
Do “ser feliz” que suponho

E não me venha com esse ar altaneiro
De quem tem por único o primeiro,
Pois saiba que o verdadeiro
Pode estar perdido em mil
E ser segundo ou terceiro
Mas é como se fosse a primeira vez.





IDEOLOGIAS FARSANTES

Quem é ateu só por ter medo do que é vida
Sem crer no amplo desconhece o pequenino
Sem descobrir seu lado humano que é divino
Foge menor, material e sem guarida

Justificando tudo em vã filosofia
De um intelecto por status social
Para os perdidos se tornou convencional
Fazer discursos que ejaculem a fobia

Mas essa luta é bem maior do que eles sentem
Se dizem nela e nessa hora é que mais mentem
Negando um Deus que é cada um e é geral

A sua luta não existe é uma farsa
No seu discurso a verdade é escassa
Você não passa de um boneco teatral.







QUIMERA

A minha dor é bem maior se vem de nós
Não tem limite se lateja assim descrente
Nos traduzindo de uma forma bem doente
Calando em fúnebre silêncio a nossa voz

O espetáculo de nós dois foi só sorriso
Transparecemos com verdade o que há de belo
Unimos vida e amor com um só elo
Nos convencendo que é verdade o paraíso

E hoje vendo a vida andar sem estar contigo
Deixando estéril o chão aonde havia trigo
Vendo perdida a colheita que almejamos

Lembro que fomos esperança de alimento
Fomos poetas a rimar cada momento
E lembro até que algum dia nos amamos.








VERGONHA FEMININA

Como é difícil ser mulher...
Mulher entre centenas de fêmeas
Aquelas que distribuem prazer
E se sentem como um prêmio
Tentando com curvas do corpo
Elaborar labirintos
E prender machos famintos

Como é doloroso ser mulher...
Mulher entre centenas de virgens
Que transformaram a libido em malícia
No momento que o medo lhes deteve,
Passar a ferir o atrevimento
Passam a contaminar o momento
E são algozes da sua raça
Inimigas de quem ultrapassa

Como é triste ser mulher...
Mulher entre centenas de incubadoras
Que fazem um filho para prender
Aquilo que não podem deter,
Tornam irresponsável a maternidade
E vibram na inverdade
Do fruto da sua fraqueza

Mas cansativo e irritante
É ser mulher entre centenas de defuntas
Que com vida artificial
Participam do ritual...

E brilham em salões escusos
Acompanham canalhas
Se esquivam das batalhas
Dão-se ao luxo do desfrute
De tudo que lhes derruba a dignidade

Mostro aos gritos a mulher que sou
Ansiando o eco da que você é
Para que nossa luta exista.






DOR

Lágrimas me correm sem motivo algum
No motivo único do pranto existir
Nesse ser que apenas tenta resistir
E não vê motivos, nem apenas um

Foram-se os amores, os irmãos, os filhos
Foram-se esperanças, sonhos e alegria
Resta só o pranto e essa poesia
Que na dor latente faz seus estribilhos

Solidão completa, alma em desespero
Lágrimas embaçam o riso verdadeiro
Angústia que impede a crença numa sorte

Vento leva tudo até a esperança
De parar com isso e encontrar bonança
No fim do caminho encontrando a morte




ESPOSA DECADENTE

Se tu te sentes como dona de alguém
Só tens um posto a defender na relação
Só vês em mim uma espécie de ladrão
Que contra todos vai atrás do que não tem

Não vou souber o que não quero pra mim
Só vou mostrar que não possuis o infinito
Mesmo que tenhas o menor, o mais finito
Eu tenho o amplo, o sem começo e o sem fim

Então não temas eu não quero o que tu tens
Não me apetecem tuas honras nem teus bens
O que eu almejo nem chegaste a descobrir

Do teu marido eu só quero a liberdade
Quero a essência, a poesia e a verdade
E não há lei que isso a ti vá garantir.






ÁGUA COM AÇÚCAR

Seu beijo lembra o beija-flor
Leve, rápido e voador...

Suas mãos lembram a lua
Branca, deslizante e nua

Seu braço é firme como a terra
E flutuante como o ar...

Seu corpo tem a maciez do gramado
E a umidade do orvalho...

Você
Insinuante como o horizonte
Atemorizante como a tempestade...

Como dominar essa natureza
Que invade meu natural?








FILOSOFIAS BARATAS

As que se sentem esposas
Brigam com as putas

As que se sentem putas
Brigam com as esposas

E nesse ato irracional e irresponsável
A mulher-puta que habita a esposa
E a mulher-esposa que habita a puta
Matam-se
Destroem-se
Anulam-se

E resta o todo-poderoso homem
Pra dominar e usar a esposa e a puta

Vivam as mulheres inteligentes
E role o amor...









FATALIDADE

Só resolvi fazer pra ti mais um soneto
Pois foram versos o que restou de nós dois
Sei que o antes nunca mais será depois
Mas a poesia ficará, eu te prometo

O que vivemos sempre rimará com vida
Nos separamos com o belo preservado
E eu não vi nenhum momento maculado
O nosso amor, nem mesmo na despedida

Mas apesar de tanto sonho e frenesi
No que me davas e no que eu dava pra ti
Não conseguimos alcançar a plenitude

Teu coração querendo dar o que não tinha
E eu marcando do caminho de onde vinha
Também querendo te dar tudo, mas não pude.









VIAGENS

Bêbados, delirantes e sonhadores
Percorremos juntos a estrada do tempo
Vendo uma manhã passar
Ou uma tarde se espreguiçar

Bêbados soltos e voadores
Falamos de um sonho liberto,
Choramos a fome e a morte
Fumando beatas e bagas
Contando trocados pro transporte

Bêbados cintilantes e viajantes
Criamos formas de resistir
Embarcamos em busca da valsa
Desembarcamos cansados da caça
Desembocamos num mar que nos come.







PSICOLOGIANDO

{Com as minhas desculpas aos senhores
psicólogos ortodoxos, pela minha ousadia de
ser poeta em cima de seus princípios
técnicos}

Vem amigo, ID comigo
Esqueçamos os SUPER e os EGOS e vamos indo

Vem amigo
ID comigo...

Desbravemos as profundezas
Nesses retornos ou avanços
E num corpo só
Como num nó
Criaremos o nosso próprio princípio

Eu te imploro amigo
ID comigo
Antes que os SUPER nos matem
E os EGOS nos suicidem

Eu sinto amigo
Sinto que é preciso
ID comigo.






DESCULPAS AO RECIFE

Do Recife fugi em prol do versos
Pro sertão onde dizem ser seu lar
Já faz tempo que ando a procurar
Mas com dor tenho sempre achado o inverso

Tenho visto poeta e poesia
Separados em meio à confusão
Com o medo mesclando a inspiração
Numa luta cruel do dia-a-dia

Peço agora ao Recife essa desculpa
Não é nele que está contida a culpa
Do morrer doloroso do que é belo

A cidade só serve pra abrigar
O doente que já não pode amar
São José, ou Recife, um só flagelo.






MISTÉRIOS

Venho buscando a uma certa eternidade
O que é eterno, verdadeiro e abrangente
Alguma luz ou elemento que sustente
Alguma prova singular do que é verdade

Mas nesse mundo tudo nos escapa a mão
O bem é mal, o mal é bem, e o fim começa
As vezes somos figurantes numa peça
Só pra cenário, pra compor, sem opção

Queria hoje ter a direção da nave
Fazer um verso, escancarado, dando a chave
Para mostrar a mim e a uns, a direção

Mas como todos, eu mergulho no mistério
Em vão buscando o que é luz o que é etéreo
Mas sem poder ter fé na minha própria mão.








MEDO

Boa noite fantasmas do meu mundo
Boa noite senhor da escuridão
Cheguem, se apossem do segundo
É festa... encham o salão

Boa noite solidão que faz soar
Quando a noite quente se espalha
E o calor não permite acomodar
Num colchão esse corpo em batalha

Entrem com suas roupas de gala
Comemorem nossa noite de terror
Vivam o clímax de todo dissabor
Dançando essa valsa em som que cala
Sirvam-se das beatas de cigarro
Comam dos restos que me dão
Encham-se dos meus sonhos que se vão
E livrem-se do veneno que escarro

Bebam copos de sangue ainda quente
Cheirem flores dos funerais de ontem
E uma após outra mil estórias contem
Para que sobrem sonhos em minha mente

Invadam a noite da minha amargura
Penetrem fundo nessa escuridão
Bebam o veneno que lhes ponho à mão
Participando da fome sem cura

Embriaguem-se no licor mal preparado
E profiram satânica previsões
Vejam fatos e fatos sem razões
Na razão do que não é explicado

Apoderem-se do espaço que lhes cedo
Tomem conta do fracasso dessa linha
Me mostrando uma culpa que é só minha
Se não vencer a luta contra o medo.









POBRE BURGUESIA

Pobres de vocês condutores da miséria humana
Em carros pretos ditos oficiais
Se sentindo seres especiais
Desfilam por avenidas engarrafas
Com poses duras como o concreto em que deslizam
E corações desgraçados como os homens em que pisam

Pobres  de vocês mulheres impúdicas
Conduzidas vergonhosamente
Nos carros pretos com placas de bronze
Sem saber dos homens pretos com bronze nos braços
Algemados em nome da justiça que sustenta
A luxúria podre que cada uma ostenta

Pobres de vocês que se sentem ricos
Pobres homens sujos se sentindo importantes
Sem absorver as horas absolvem os instantes
Em que se fazem donos do mundo
Sem perceber que a qualquer segundo
A terra pode desmoronar
E de vocês o que sobrará
É uma vergonha para a humanidade
Que submissa a sua falsa verdade
Se desfaz em pranto e horrores mil
Se desfaz em fome, em nudez e abandono
Para que cada um de vocês se sinta dono

Dono de um carro oficial
Condutor da vergonha e de tanto mal
Que faz da burguesia decadente
Desgraçada e fim pra todo aquele que sente
Que a vida desfila livremente
De pés descalços e coração aberto
Mas a presença de vocês por perto
Destrói a harmonia natural
Destrói a coerência e o saber
Destrói o belo causando apenas danos
E decadência para os seres humanos.







CASAMENTO

A penumbra que toma o quarto
Vai transformando-se em escuro
A lamparina queima
O último vestígio de óleo que unge o cordão

E os seres assustados
De olhos arregalados
Encaram-se calados

A cama demarca um espaço
O único que lhes dá guarida
Naquele retângulo fabricado
Encerra-se o ciclo da vida...

E em meio ao prazer... veja você

E enquanto a lamparina oferece uma faísca
Eles gemem na dor da chama apagada...

Mas a luzinha pisca
Quanta esperança...

E quando a escuridão se faz verdadeiramente plena
Eles adormecem parados
Deitados lado a lado...

Daí pra frente... só os sonhos lhes alimenta a mente.








EU E ELA

Nas viagens que juntas desfrutamos
Me fica uma dúvida no ar
Se sou eu que lhe faço ir tão alto
Ou se é você que me leva a voar

Sinto-me em mim como eu me acompanhando
E me mostrando o que só não quero ver
E a vejo assim concretizar-se no meu sonho
Mostrando claro a verdade que é você

Na união da sua força com a minha
Encontro um elo de um encontro natural
Com minha mente fazendo-a ser vida
E sua vida fazendo-me ser real

Quando você vira fumaça
Pra conseguir me alimentar
Lembro a água que igualmente
Muda de estado pra me banhar

Eu animal
Você vegetal
Eu solitária
Você solidária...

Precisamos unir nossa energia
Para encontrar enfim essa magia
Capaz de nos levar além
Acima do mal e do bem

Se a moral queima sua raiz
Também pretende beber o meu sangue
E fugitivas enfrentamos os tribunais
Que nos incriminam por razões banais

Culpando-nos pela liberdade
Que ambas insinuamos
Culpando-nos por uma verdade
Que juntas não camuflamos

Mas a natureza absolverá
A causa maior da nossa união
E muitos ainda verão
Nossa leveza no ar

E hoje os que nos caçam
Por crimes que não cometemos
Vão morrer sem desfrutar
Da liberdade que temos.





SUTIS DIFERENÇAS

Minha casa é emprestada
Minha cama se aluga
Meu sono cedo madruga
Meu destino é a estrada

Minha noite é passageira
O meu gemido é profano
Meu sentimento é mundano
Minha mão é traiçoeira

Meu homem é comprometido
Meu filho pertence ao pai
Minha ida já não vai
Meu erro é não ter partido

Minha comida é doada
Minha bebida é da mesa
É vil a minha proeza
E a sarjeta me agrada

Minha moeda é falsa
Minha coisa é só pó
Minha linha deu um nó
Meu ataúde é sem alça

Mas minha lua
É a sua lua

A minha estrela
Você pode tê-la

Minha rosa cheira a flor
E o meu tesão a amor

Meu trovão estronda em seu galpão
Meu temporal arranca seu varal

Minha letra enche seus olhos
E o interior delas... afasta-nos.








FANATISMO II

A bela flor quando na dor se espanca
Ao encontrar um Deus em seu caminho
Já decifrou o antigo pergaminho
Da natureza que a palavra estanca

Nem mil canções poderão traduzir
Nem mil sonetos vão poder dizer
Da imensidade que consigo ver
No infinito do seu ser fluir

Pra lhe dizer que você é real
Um Deus humano e transcendental
Um fanatismo se apossou de mim

E corro louca aos pés da flor mais bela
E em soluços imploro que ela
Fale por nós dessa emoção sem fim.








SEM POSSE

Esse quarto, já seu quarto alguma vez
Que é meu quarto, só meu quarto, nessa hora
Nessa noite, eu sozinha, você fora
Nasce um verso e ele fica de nós três

Posso ver-me e posso ler a poesia
Posso tê-lo dentro em mim e dentro dela
Pra que mais se essa sensação tão bela
Entra em mim me fazendo companhia

Se seu corpo hoje queima em outro amor
Mas meu corpo ainda retém o seu calor
Não precisa ter ciúme ou solidão

Sua vida já está na minha vida
E essa noite que parece dividida
É inteira nesse quarto de emoção.




DOUTRO POETA

Nem a ciência nem o cientista
Nem há resposta, não vou perguntar
Quero a ousadia de tentar falar
Sobre o que vejo além da minha vista
Nesse teu ser tão grande e tão artista
Tão diferente dos prisioneiros
Nos teus poemas livres, verdadeiros
Que só traduzem tua imensidade
E que me causam essa ansiedade
De colher flores entre teus canteiros.







SAUDADE

Saudades é lembrar do antes
Tenho medo do depois
É não querer mais ser um
Quem já conseguiu ser dois

Saudade é esperar por nada
Com tudo dentro do peito
É pensar que pra voltar
Para o antes não tem jeito
O com medo do depois
Vê um e outro desfeito

Saudade é uma agonia
Quem dá na alma e no corpo
Se a alma quer reagir
O corpo se faz de morto
E se a carne reage
A alma faz o aborto

Saudade é não querer nada
Do que está perto da gente
É querer a qualquer custo
Ver o passado presente
Saudade é parar no meio
Não ir pra trás nem pra frente.






CARUARU-NIGHT E DIA (Av. Agamenon 1973)

Não...
Eu não voltei no tempo
O tempo não retorna
Ele se entorna e torna presente...

Aconteceu...
Aconteceu outra vez
Porque em qualquer tempo
Se você entra em cena
A vida parece pequena
Diante do mistério

Se verde menino encantou
E maduro ainda fascina
Está na mulher e na menina

E surpreende
Encanta
Eu... você
Foi bom lhe ver.







RETRATO DA GENTE

Entre seu olho bem perto
E um céu muito distante
Havia um brilho excitante
E um paraíso aberto

Olhava então esse céu
Espelho da noite nua
Vi a verdade crua
E a carne era como mel

Com seu cheiro cheirando vida
E estrelas bordando o firmamento
Retirou-se qualquer lamento
E a terra nos deu guarida

Nada antes nem depois
Só o universo durante
Dando vida ao instante
E ao que sentiu-se a dois

Nem passado nem futuro
Só um agora real
Nesse ato natural
Comendo o fruto maduro

Amei você em mim
Me amando no seu ser
E um estranho prazer
Fez a nossa noite assim.








MORALISTAS OU OTÁRIOS

Mulheres e homens de respeito
Se chego ao ponto de dirigir-lhes meu verso
É mais uma prova da minha ousadia
Pois inseri-los numa poesia
É um risco forte de perder a rima
Já que a vida que o verso anima
Sente-se presa dentro de vocês

Senhoras e senhores de respeito
Que dormem sós sem dividir o leito
Que abraçam fraco sem abrir o peito
Movidos pela corda da moral
Perdidos entre o bem e o mal

Ainda acham tempo pra me escarnecer
Tendo com isso a forma de prazer
Que masturba seu sexo atrofiado.







FALSA MORAL

 Causo vergonha a falsa moral
Ditada na minha casa
Regada no meu país
Criada em todo o mundo

Causo vergonha ao irmão conservador
Sou ameaça ao soldado ditador

Sou caçoada pela irmã enterrada
Mal entendida por uma mãe mal amada

E vou seguindo barrada nos portões
Por quem tem medo de monstros de porões.








O BRANCO NA LUA CHEIA
TOMOU CONTA DO SERTÃO

Quando a lua surgiu grande
Redonda, clara e imensa
Reforçou mais minha crença
De que o claro se expande
O onde quer que se ande
A luz vinda da amplidão
Branca em toda dimensão
Nos invade e entonteia
O branco na lua cheia
Tomou conta do sertão

O claro que me invadiu
Nesse branco muito meu
Fez meu coração ateu
Crê naquilo que sentiu
Quando a lua então surgiu
Como Eva para Adão
Entrou no meu coração
Por dentro de cada veia
O branco na lua cheia
Tomou conta do sertão

E lhe mando esse luar
Em forma de poesia
Dividindo a energia
Que consegui captar
Quero vê-lo se banhar
Num lago que vi no chão
Formado pelo clarão
De um luar que encandeia
O branco na lua cheia
Tomou conta do sertão.









QUANDO A NATUREZA FALA
QUALQUER VOZ DEVE CALAR

O chamado inigualável
Da vida ansiando vida
Apressa o passo da ida
Em busca do indecifrável
E nossa alma indomável
Arrisca sem vacilar
Na esperança de achar
A forma de penetrá-la
Quando a natureza fala
Qualquer voz deve calar

Quando um abraço nos pega
E um beijo nasce sozinho
Pra que mudar o caminho
Ou odiar a entrega
Em nada a vida se apega
Quando resolve avançar
E sem forças pra parar
O remédio é encará-la
Quando a natureza fala
Qualquer voz deve calar

Se um olho em outro sorrir
Num olhar cheio de graça
Um claro puro ameaça
De brilho o mundo invadir
E sem poder resistir
O caminho é se entregar
Sem temor a luz fitar
Pra conseguir captá-la
Quando a natureza fala
Qualquer voz deve calar.







FANTASIA

Você me quis realizando uma utopia
Talvez porque realizasse um sonho meu
Pois na carência do meu peito e do seu
Faltava alguém pra completar a poesia

Você me viu como uma deusa além da peste
Pensou-me imune e alheia ao que assassina
E eu que lhe amei e endeusei feito menina
Que só de sonho e ilusão tudo reveste

Mas no caminho que seguimos confiantes
E na verdade que enxergamos como amantes
Havia toda nossa estória impregnada

E ao lhe ver descendo em tudo que plantamos
Também descri do sonho em vida que almejamos
E hoje estou me achando apenas derrotada.







REVOLTA

Se eu pudesse matar a poesia
Que me persegue e tira-me a razão
Talvez eu visse vir pra minha mão
Algo concreto nesse dia-a-dia

Mas como louca só possuo o verso
Persigo rimas que me façam ver
A natureza da razão não ter
E descobrir o oculto no inverso

Se eu pudesse ser como um normal
Querendo o bem e fugindo do mal
Fazendo tudo como tem que ser

Talvez assim eu conseguisse glórias
Quem sabe honras, troféus e vitórias
E desfrutasse o gosto do prazer.






FILHO (Bambi)

Quando vi você nascer
Nasci junto com você

Hoje temos nove anos
De certezas e enganos

Com escuridão e brilho
Tenho nove anos de mãe
E você nove anos de filho

Me perdoe as peraltices
Quando assim fujo de casa
Em busca do vendaval
Em busca do carnaval

Do som
Do tom
Da flor
Da cor...

Perdoe a ansiedade febril
Dessa mulher que lhe pariu
Mas mesmo sendo sua mãe
É filha ainda criança
Dessa vida que balança

Levando e trazendo
Chegadas e partidas
Mas exigindo sedenta
E se mostrando suculenta
Frente a essa minha sede
Frente a essa minha fome

Entenda sua mãe menina
Do jeito que você é
Coloque sua mãe no colo
E lhe cante uma canção
Pois de tanta solidão
Tanta busca tanta luta
Há algo de verdadeiro
Há algo que é singular
É essa amor que eu tenho
E sempre terei pra lhe dar.







ORAÇÃO

Só me resta esse Deus
Esse que sinto ser EU
Na plenitude maior
Do viver-me onipotente
Integrada e consciente
Da grandeza que me cerca

A energia que se fez dor
Chegou na cota ideal
Pra que eu distinga bem e mal
E tenha a opção final

Sentindo o ser emergir
Cavar até descobrir
A consciência absoluta
De entregar-me na luta
E absorver a seiva

A seiva que provém
Da malícia que há no bem
E a ventura de um mal

Um bem que não sobe além
E um mal que não desce aquém

Se o fragmento da divindade
Antepor-se à escravidão
Por certo serei meu Deus
E meus gemidos ateus
Por si se dissiparão.








BRASIL, 17 DE DEZEMBRO DE 1999

Meu povo ri quando devia estar de luto
Meu povo festeja a derrota
Com ares de vitorioso

Meu povo mais uma vez
Colocou no reino o seu próprio carrasco
Meu povo iludido
Fez como os alemães com Hitler

A festa do povo é seu próprio enterro
E embriagado
Segue meu povo enganado

Quando deu o poder ao traidor
Meu povo foi mais além
Corou-o como herói
E fez dele um salvador

Meu povo enganado exagerou
E trouxe de volta sua derrota

Que perguntar então a um povo mudo?
O que gritar então pra um povo surdo?

Eu que choro a dor do meu vizinho
Que hoje dança e comemora com vinho
Sou tentada a abandonar
Tentada a não mais lutar
Por mais ninguém que esteja cego.







PAIXÃO

Meus seios e teus anseios
São um par inseparável
E nesse ato palpável
Loucos perdemos os freios

Teus beijos e meus desejos
São sílabas que fazem sentido
E se o par é repartido
Vão-se apagando os lampejos

Teu gemido e a libido
Que me aflora e faz corar
Não podem se afastar
Pois afasta-se o sentido

E nesse corpo disposto
Fica a euforia do meu
Que viciado perdeu
O fio da meada em teu gosto

Misturei nosso prazer
Fiz de você meu único pulsar
E não adianta tentar
Que o corpo não vai responder

Tua carne em minha fome
Tem a suprema ventura
De acabar com a desventura
Que minha alma consome

E quando esfregas com paixão
O teu peito nos meus seios
O que os excita e faz cheios
É o pulsar do coração

E a emoção que da fêmea exala
Acorda no macho a verdadeira essência
E sem pudor, com ardor e irreverência
Lê-se no corpo o que a alma fala.






NOS BAILES DA VIDA (Viva Binha)

A dança foi parada no meio
O som foi cortado no ar
E a sede de lhe abraçar
Conformou-se em ser só anseio

No baile do paraíso
A dança nativa dos deuses
Mesmo parada mil vezes
Não nos trará prejuízo

O balé delirante de casais
Rodopiando no salão da liberdade
Dançará por toda eternidade
Entre sons e tons sensuais

Seu corpo conduzindo o meu
Ao som de música no ar
Continuará a dançar
No passo que se perdeu

Voltarei a lhe ter em meio ao som
Voltarei a bailar no seu abraço
Pois no eco livre do espaço
Nossa nota não sai do tom.





BARREIRAS

Minha criação é torturada
Pelo carrasco que levo em mim
Aquele nascido e concebido
Pelo meu medo da solidão

Crucifico meu ideial
E lavo as mãos assistindo ao ato
Covarde igual a Pilatos

Fui traida por um Judas só meu
Criado pra dedurar meus segredos
E pra gerar os meus medos

E observo-me em frente a cruz
Parada assistindo ao drama
Alheia ao perigo da trama

Esperando a coragem
Pra encarar a bagagem
E seguir na viagem.







***

POSFÁCIO





            Está prestes a vir a lume um livro de reflexão e amor. Tão recente que chegou a mim sem título, ou melhor, o maior dos títulos: O nascimento de graça.
            Por ser a graça um dom divino, só o feto no ventre já é um grande romance de cada existência, cheio de prós e contras.
            Não devemos ser egocêntricos e sim, ser altruístas. Nós, a bela dádiva das artes liberais: poesia, música, pintura e congêneres, devemos ser gratos ao maior poeta, autor dos mundos claros com suas trevas e dos mundos trevosos com suas luzes.
            É muito fácil ser crítico, construtivo ou destrutivo. O bom é ser receptor e transmissor dos dons. Riqueza que não se compra.
            Sabemos que há vitórias que são verdadeiras derrotas com bajulação e conveniência, entretanto há derrotas que são grandes vitórias. Sem o gigante não tem o pigmeu e sem o pigmeu não há o gigante. Portanto, estamos na época dos livros, grandes ou pequenos.
            Graça, mesmo não havendo vantagem financeira, o seu troféu, o livro, é um filho da sua alma. Não o abandone. Seu lucro é o amor que a empolga.
            Não poderia negar-me a dar-lhe minha opinião sendo também poeta e cristão. Talvez sua miscelânea vá adiante. Fé e coragem. Não se esmoreça em meio a batalha da vida. Já tive troféus, ajuda dos meus pais, seria uma infâmia faltar com o meu apoio ao seu filho, o livro, e ver o nascimento da graça.

LOURO DO PAJEÚ